Shrek Pós-Moderno

abril 16, 2007 at 10:58 pm 32 comentários

Shrek Pós-Moderno Trajes de domingo. Ela usa uma calça de lycra grudada no corpo perfeito de quem gasta horas suando em esteira de academia. Ele sustenta uma pança perfeita de quem não se nega aos prazeres da gula. Casal normal, nada igual. Ela traz uma garrafa de suco de maracujá e coloca na mesa do jantar, para acompanhar a salada regada ao estilo light de viver. Ele põe o resto de vodka na metade do copo e mistura ao refresco calmante, só para turbinar. Ela reclama, ele não esquenta. Comem em silêncio. O telefone toca e ele sabe que, pela hora, é a sogra. Blábláblá daqui, nhénhénhé de lá e com a janta interrompida, ele bisonhamente desliga a TV, põe o cd do Rolling Stones e tira a roupa. Nu em pêlo, baila trôpego ao som de Mr. Jagger entoando “I Can´t Get No, Satisfaction”. Ela disfarça o riso, abaixa o rádio e vira o rosto para o seu Shrek Pós-Moderno mandando-o ficar quieto. Ela desliga o telefone, senta e termina a janta solitária. Em pé, no meio da sala, ele indaga:
Você acha que eu danço mal, graças ao meu porte físico?
Não. Mas, você pode se vestir, por favor?
Por quê?
Esse troço murcho balançando está me dando náuseas.
Então, ele volta cabisbaixo para a mesa e olha para o prato. Nada disso entrava muito bem em sua cabeça. Academia, puxar ferro, beber suquinho e comer folha, era uma lástima de vida. Queria ser normal, encher a cara com os amigos, jogar uma peladinha com a rapaziada e assistir ao debate esportivo pós-rodada do campeonato, bebendo uma gelada e degustando uma pipoca sem se preocupar com quantas calorias poderia ingerir por dia.
Murcho?
Ãhn?
Você disse
É? Por acaso estou mentindo?
Levantou-se resmungando, tomou uma ducha e foi fumar um cigarro na varanda. A nicotina lhe trouxe mais para perto da realidade. Olhou pra barriga e a culpou pela bronca de sua amada. O seu time perdeu de goleada, seu jantar não continha nenhum carboidrato e sua esposa o chamara de molengão. O que mais faltava agora, o divórcio?
Engordar após o casamento é um fato extremamente comum – ela ronronou ao se aconchegar ao seu lado na varanda. E eu te amo assim, do jeito que você é.
E você ainda curte esse seu pançudinho aqui?
Demais. Só não curto uma coisa.
Já sei. O meu murchinho aqui?
Não, na verdade eu não curto os Stones.
Ah, tá.
Então, ela colocou um CD e deixou rolar o “A Hard Day’s Night”.
Ela não tinha mais a calça de lycra e nem via mais nada sem viço em sua frente. Ele se sentiu querido, mas continuou bailando maljeitoso ao som dos Beatles. E os dois perceberam que amar é mais que esteiras e alfaces. É além do que se vê. O resto é invenção besta de gente que não sabe viver.

Entry filed under: Ácidos.

Pra sair Exausto e muitas vezes Pisado. Aterrissando em Mim

32 Comentários Add your own

  • 1. Girassol  |  abril 16, 2007 às 11:32 pm

    Confesso, de todos os textos, este é o meu favorito.
    Cheio de realismo e completamente certeiro em cada palavra.
    Bom, confesso também que acredito que a vida existe para que tiremos dela o maior prazer (em tudo o que fazemos), daí não achar concebível que exista quem se escravize por coisas, que no final de contas, são inúteis.

    “…amar é mais que esteiras e alfaces, É além do que se vê.”

    Depois desta frase, não sinto necessidade de dizer mais nada.
    Parabéns.

    Responder
  • 2. elisabetecunha  |  abril 17, 2007 às 12:07 am

    Pô Bruno, maravilhoso o seu texto……………
    Pura realidade do cotidiano que muitas vezes não acaba dessa forma!
    bela semana!
    agradecida pela visita!!
    🙂

    Responder
  • 3. Marcelo  |  abril 17, 2007 às 12:14 am

    Confesso que sou um grande admirador dessa cumplicidade e incondicionalidade que certos casais conquistam.
    Isso é, sem dúvida, o combustível de um amor longo e feliz.
    Bela narrativa.

    Abraços

    Responder
  • 4. João Paulo  |  abril 17, 2007 às 12:53 am

    Que texto legal!
    Entrei para o time dos casados e, realmente, essas coisas acontecem. Ainda bem que tive que seguir a dieta indicada pela nutricionista, aproveitando para manter a forma também.
    O casamento é um conto de fadas, só precisamos saber a hora certa para agirmos.

    E o amor é o tempero fundamental para a relação.

    Parabéns, Bruno!

    Responder
  • 5. Mônica Montone  |  abril 17, 2007 às 1:13 am

    “o resto é invenção besta de gente que não sabe viver”, essa foi demais :O)

    Obrigada pela visita ao Fina Flor! Respondendo sua pergunta: claaaaaaaaaro que você pode se acomodar por lá, o canteiro é nosso!!!!!!

    Vou linkar você porque gostei daqui!

    beijocas e boa semana

    MM

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  • 6. Alê  |  abril 17, 2007 às 1:29 am

    Gosto da sua forte ligação com as palavras e a realidade.
    Bjos*

    Responder
  • 7. Márcia(clarinha)  |  abril 17, 2007 às 2:40 am

    Aplaudindo de pé sem cerimônia, que perfeito!!
    Adorei o texto simples, real, humano e tão normal
    Semana linda
    beijosssssssssss

    Responder
  • 8. czarina  |  abril 17, 2007 às 1:12 pm

    bom texto. e, confesso, tenho um fraco por barrigudinhos 😛
    mas ó. não se ressinta seu bruno. nem sempre eu tenho tempo de responder comentários…
    mas vou tentar passar mais aqui sim, ok?
    bjo!

    Responder
  • 9. luana  |  abril 17, 2007 às 1:20 pm

    e kd as coisas q o senhorito depois diria?
    Oo

    adorei..
    o ser humano poder ser sacartiscamente(?) sutilll \o/
    :D:D

    ” o resto é invenção besta de gente que não sabe viver..” apoiado companheiro!
    😛

    eu realmente gostei..muito bom de se ler, não acho q tem aquele tom pessismita e determinista, eu vih esperança ali..eiba! x**

    Responder
  • 10. aguas da vida  |  abril 17, 2007 às 1:27 pm

    Excelente sensibilidade ao escrever confesso que amei esse texto de uma profunda realidade…
    Obrigada pela visita.
    Big Kiss

    Responder
  • 11. Bárbara P.  |  abril 17, 2007 às 2:02 pm

    Será que a histórinha teria sido desse jeito se a princesa não se transformasse em ogra? Mas eu gosto tanto dela toda verdinha! Uma alface apaixonada!

    Responder
  • 12. Cauks  |  abril 17, 2007 às 2:09 pm

    Taí.

    Concordo plenamente.

    Às vezes, me pego pensando se essa gente rica, famosa e magéééééééérrima, é feliz. Saem nas revistas com caras e bocas e muitas vezes, as pessoas reais, se sentem diminuídas, por não terem tanto dinheiro, por não terem fama e por não terem um corpo escultural.

    Sei não…

    Responder
  • 13. Késia Maximiano  |  abril 17, 2007 às 2:32 pm

    Amei o texto
    vc escreve muito!!!
    bjossss

    Responder
  • 14. Paloma  |  abril 17, 2007 às 3:09 pm

    No No! Estou voltando! Seja bem vindo!

    Responder
  • 15. Aline  |  abril 17, 2007 às 3:44 pm

    Caríssimo!

    Que perfeição 🙂
    Adorei!
    Lembrou-me Deixa o Verão de Amarante e tb Último Romance.

    Beijos!!!

    Responder
  • 16. Branca  |  abril 17, 2007 às 4:36 pm

    deixa, deixa o verão…

    Bjo atualizado 🙂

    Responder
  • 17. cudi  |  abril 17, 2007 às 4:42 pm

    eu sou o murchinho.
    🙂
    Texto dez.

    []´s
    cudi

    Responder
  • 18. kkkarol  |  abril 17, 2007 às 6:27 pm

    Obrigada por ter me desejado sorte na prova… (apesar de não ter tido tanta assim… rs)
    Ah, gostei muito do texto e do blog…
    Inté mais.

    Responder
  • 19. luana  |  abril 17, 2007 às 10:45 pm

    ebaa
    vou te linkar tbm..pode? x)

    Responder
  • 20. solin  |  abril 17, 2007 às 10:58 pm

    Oi, seu blog tem bastante conteúdo e de qualidade =D.
    Parabéns pelo blog.
    E Obrigada pela visita tá.

    Até mais 😉

    Responder
  • 21. anasonhadora  |  abril 18, 2007 às 5:24 am

    da vida se fez sonho que floriu em beijos embrulhados em abraços.

    Responder
  • 22. Rayanne  |  abril 18, 2007 às 11:02 am

    Até na escrita você consegue ser o mais querido, né?
    Amor é simplesmente isso. Sem explicação, é sentir-se
    em casa na alma alheia.

    **Estrelas per te**

    Responder
  • 23. Juliana  |  abril 18, 2007 às 12:30 pm

    Que gracinha esse texto… e é assim mesmo.
    ps: tb prefiro Beatles..

    bjo

    Responder
  • 24. Cau  |  abril 18, 2007 às 1:24 pm

    Cumplicidade que vai além de pequenas hipocrisias diárias.
    Sempre há o “ele bem que poderia fazer …” ou o “ela poderia ao menos…”, mas este amor que compartilha até Stones/Beatles, alface/churrasco, academia/barzinho, e será esse amor aquele que será capaz de amar apesar de tudo.

    Responder
  • 25. Paulo Fernando  |  abril 18, 2007 às 2:55 pm

    Certeiro em cada sentença. Ao invés de gritar para o mundo “como o seu pão integral!”, vc olha em silêncio, como se estivesse pensando “eu prefiro pizza com muito catchup”… E assim vai a vida, de pedaço em pedaço. Algumas fatias engordam mais, outras nem tanto. Mas não há coisa mais calórica do que o mal gosto das atitudes e palavras. E isso eu sei que vc não tem.

    Gostei muito!
    Abraços!

    Responder
  • 26. Alexandre  |  abril 18, 2007 às 4:10 pm

    Eta continho besta de bom sÔ!
    Perfeito cara…a cena é hilária!

    Responder
  • 27. Cabrita  |  abril 19, 2007 às 5:10 pm

    êêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê

    se superou!!!!!!!!!!!!!!!!!

    PARABEEEEEEEEEENS

    eu sou a Fiona pós-moderna!!!!

    bj

    Responder
  • 28. mary  |  abril 20, 2007 às 7:23 am

    Adorei este texto! Ácido, poético e com humor! ;]

    Beijoss

    Responder
  • 29. formiguita bipolar  |  abril 20, 2007 às 3:21 pm

    Oi.
    Por vezes no dia-a-dia esquecemo-nos de que as coisas mais importantes são simples de viver. Então complicamos tudo e perdemos a oportunidade de sermos felizes ao lado da pessoa que amamos, ou ao lado daqueles que por algum motivo estão na nossa vida, por não conseguimos amá-los incondicionalmente…
    Amei o texto.
    ***

    Responder
  • 30. Sônia  |  abril 21, 2007 às 12:55 am

    Rs…legal esse texto. Gostei!

    Responder
  • 31. Carol Marossi  |  abril 23, 2007 às 12:02 am

    Well, well, Bruno, relacionamentos sempre foram e sempre serão estranhos, complicados e, ao mesmo tempo, misteriosamente bons. Não há nada que se possa fazer a respeito.
    Eu só não curto Shreks [e isso não é sinônimo de gente barrigudinha ou fora dos ‘padrões estéticos’ da mídia, mas sim de gente tosca e sem cultura], mas isso se deve ao fato de que quase casei com um e naquele tempo nem Fiona eu era, hehehe.

    Beijos!

    Responder
  • 32. Marcio Rolim  |  abril 24, 2007 às 12:04 pm

    Mas e aí… não transaram? Não lembro de algum amor que levantasse murchinho de bêbado… isso tem um final melhor: ela abraça o gordinho murcho, dá uns cheirinhos, e no outro dia, ao ir malhar na academia, ajoelha-se no baheiro diante de um belo “durinho” que fica abaixo (abaixo e não por baixo) de um “tanquinho” malhadinho… sem amor, sem beatles… mas com tesão… e volta pra casa sínica pra curtir o saco de banhas que o amor ainda segura. Real, corriqueiro, óbvio e natural.
    Abraços.

    Responder

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O Poeta Corrosivo:

Bruno Cazonatti - Carioca, balzaquiano. Um redator feito de resto das estrelas, que insere neste espaço os seus textos e segredos de muitas lembranças caladas, rascunhos amassados e a poeira dos pés da sua curta estrada.
Faz poesia barata com seus segredos revelados em textos compostos de desejos implícitos, e apimenta suas letras mudas, com contos imaginários, salpicados da acidez que aparece entre raios de sol e a tempestade de palavras com aroma de chuva.
Tudo isso, bem misturado às mensagens rabiscadas na essência da sua vida.
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